• quinta-feira, 6 de agosto de 2009

    CARTA CIRCULAR DE DOM PEDRO CASALDÁLIGA

    Como Igreja queremos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comunidade ecumênica e macroecumênica também. O Deus em que acreditamos, o Abbá de Jesus, não pode ser de jeito nenhum causa de fundamentalismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. Chega de fazermos do nosso Deus o único Deus verdadeiro. “Meu Deus, me deixa ver a Deus?”. Com todo respeito pela opinião do Papa Bento XVI, o diálogo inter-religioso não somente é possível, é necessário. Faremos da corresponsabilidade eclesial a expressão legítima de uma fé adulta. Exigiremos, corrigindo séculos de discriminação, a plena igualdade da mulher na vida e nos ministérios da Igreja. Estimularemos a liberdade e o serviço reconhecido de nossos teólogos e teólogas. A Igreja será uma rede de comunidades orantes, servidoras, proféticas, testemunhas da Boa Nova: uma Boa Nova de vida, de liberdade, de comunhão feliz. Uma Boa Nova de misericórdia, de acolhida, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da Humanidade. Seguiremos fazendo que se viva na prática eclesial a advertência de Jesus: “Não será assim entre vocês” (Mt 21, 26). Seja a autoridade serviço. O Vaticano deixará de ser Estado e o Papa não será mais chefe de Estado. A Cúria terá de ser profundamente reformada e as Igrejas locais cultivarão a inculturação do Evangelho e a ministerialidade compartilhada. A Igreja se comprometerá, sem medo, sem evasões, com as grandes causas de justiça e da paz, dos direitos humanos e da igualdade reconhecida de todos os povos. Será profecia de anuncio, de denúncia, de consolação. A política vivida por todos os cristãos e cristãs será aquela “expressão mais alta do amor fraterno” (Pio XI ). Nós nos negamos a renunciar a estes sonhos quando possam parecer quimera. “Ainda cantamos, ainda sonhamos”. Nós nos atemos à palavra de Jesus: “Fogo vim trazer à Terra; e que mais posso querer senão que arda” (Lc 12, 49). Com humildade e coragem, no seguimento de Jesus, tentaremos viver estes sonhos no dia a dia de nossas vidas. Seguirá havendo crises e a Humanidade, com suas religiões e suas Igrejas, seguirá sendo santa e pecadora. Mas não faltarão as campanhas universais de solidariedade, os Foros Sociais, as Vias Campesinas, os movimentos populares, as conquistas dos Sem Terra, os pactos ecológicos, os caminhos alternativos da Nossa América, as Comunidades Eclesiais de Base, os processos de reconsiliação entre o Shalom e o Salam, as vitórias indígenas e afro y, em todo o caso, mais uma vez e sempre, “eu me atenho ao dito: a Esperança”. Cada um e cada uma a quem possa chegar esta circular fraterna, em comunhão de fé religiosa ou de paixão humana, receba um abraço do tamanho destes sonhos. Os velhos ainda temos visões, diz a Bíblia (Jl 3,1). Li nestes dias esta definição: “A velhice é uma espécie de postguerra”; não precisamente de claudicação. O Parkinson é apenas um percalço do caminho e seguimos Reino adentro. DOM PEDRO CASALDÁLIGA BISPO EMÉRITO DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA CIRCULAR 2009

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