O que é
O Grito dos Excluídos é uma manifestação popular carregada de
simbolismo, é um espaço de animação e profecia, sempre aberto e plural
de pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais
comprometidos com as causas dos excluídos.
O Grito dos Excluídos, como indica a própria expressão, constitui-se numa mobilização com três sentidos:
- Denunciar o modelo político e econômico que, ao mesmo tempo,
concentra riqueza e renda e condena milhões de pessoas à exclusão
social;
- Tornar público, nas ruas e praças, o rosto desfigurado dos grupos excluídos, vítimas do desemprego, da miséria e da fome;
- Propor caminhos alternativos ao modelo econômico neoliberal, de
forma a desenvolver uma política de inclusão social, com a participação
ampla de todos os cidadãos.
O Grito se define como um conjunto de manifestações realizadas no Dia
da Pátria, 7 de setembro, tentando chamar à atenção da sociedade para
as condições de crescente exclusão social na sociedade brasileira. Não é
um movimento nem uma campanha, mas um espaço de participação livre e
popular, em que os próprios excluídos, junto com os movimentos e
entidades que os defendem, trazem à luz o protesto oculto nos
esconderijos da sociedade e, ao mesmo tempo, o anseio por mudanças.
As atividades são as mais variadas: atos públicos, romarias,
celebrações especiais, seminários e cursos de reflexão, blocos na rua,
caminhadas, teatro, música, dança, feiras de economia solidária,
acampamentos – e se estendem por todo o território nacional.
Para iniciarmos a apresentação, se faz necessário dizer o que é o Grito dos Excluídos
O Grito dos Excluídos é uma iniciativa que se compõe de uma série de
eventos e mobilizações que se realizam ao redor da Semana da Pátria, ou
seja, de 01 a 06 finalizando-se no dia 07 de setembro, ou um pouco
antes, isso depende da realidade local. Não se trata exatamente de um
movimento, uma campanha ou uma organização, mas de um espaço de
convergência em que vários atores sociais que se juntam para protestar e
propor caminhos novos. As principais manifestações ocorrem no Dia da
Independência, pois seu eixo fundamental gira em torno da soberania
nacional. O objetivo é transformar uma participação passiva, nas
comemorações dessa data, em uma cidadania consciente e ativa por parte
da população.
Contudo o Grito dos Excluídos não se limita nas ações do dia 07 de
setembro. De ponta a ponta do país, podemos subdividir as atividades em
um antes, um durante e um depois. Um antes, se nos atemos às reuniões da
coordenação nacional, ao encontro dos articuladores, à preparação do
material, à divulgação e organização e a uma série de eventos que se
destinam à preparação dos agentes e lideranças; um durante quando as
ruas e praças das principais cidades do Brasil, com destaque para o
Santuário de Aparecida, em São Paulo, onde o Grito e Romaria dos
Trabalhadores fazem uma grande parceria. Essas manifestações se enchem
de manifestantes, de gritos e de utopia; um depois, no sentido de
avaliar e garantir a continuidade das ações, numa espécie de fio
condutor que une num único processo os Gritos realizados nesses rincões
afora dede grande Brasil.
Como nasceu e quem promove o Grito dos Excluídos?
O Grito nasceu de duas fontes distintas, mas, complementares. De um
lado, teve origem no Setor Pastoral Social da CNBB (Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil), como uma forma de dar continuidade à reflexão da
Campanha da Fraternidade de 1995, cujo lema – Eras tu, Senhor –
abordava o tema Fraternidade e Excluídos.
De outro lado, brotou da necessidade de concretizar os debates da 2ª
Semana Social Brasileira, realizada nos anos de 1993 e 1994, com o tema
Brasil, alternativas e protagonistas. Ou seja, o Grito é promovido pela
Pastoral Social da Igreja Católica, mas, desde o início, conta com
numerosos parceiros ligados às demais Igrejas do CONIC (Conselho
Nacional de Igrejas Cristãs), aos movimentos sociais, entidades e
organizações.
Nos dois casos, podemos afirmar que a iniciativa não é propriamente
criada, mas descoberta, uma vez que os agentes e lideranças apenas abrem
um canal para que o Grito sufocado venha a público. A bem dizer o Grito
brota do chão e encontra em seus organizadores suficiente sensibilidade
para dar-lhe forma e visibilidade.
Por que Grito dos Excluídos?
O pressuposto básico do Grito é o contexto de aprofundamento do
modelo neoliberal como resposta à crise generalizada a partir dos anos
70 e que se agrava nas décadas seguintes. A economia capitalista
globalizada, a precarização das relações de trabalho e a guerra por
novos mercados geram massas excluídas por todo o mundo, especialmente
nos países periféricos.
Os movimentos sociais reagem. No Brasil, as Igrejas cristãs
juntamente com outros parceiros promovem na década de 90 as Semanas
Sociais. Cresce a consciência das causas e efeitos da exclusão social,
como o desemprego, a miséria e a violência, entre outros. O fruto
amadurece e nasce o Grito dos Excluídos. Trata-se de uma forma criativa
de levar às ruas, praças e campos o protesto contra esse estado de
coisas. Os diversos atores sociais se dão conta de que é necessário e
urgente dar visibilidade sócio-política à indignação que fermenta nos
porões da sociedade, os excluídos/as. Se o mercado tem o direito de
dobrar as autoridades políticas com seu “nervosismo”, os setores
marginalizados da população também podem e devem tornar pública sua
condição de excluídos.
Por que 7 de setembro?
Desde 1995 foi escolhido o dia 7 de setembro para as manifestações do
Grito dos Excluídos. A idéia era aproveitar o Dia da Pátria para
mostrar que não basta uma independência politicamente formal. A
verdadeira independência passa pela soberania da nação. Um país soberano
costura laços internacionais e implementa políticas públicas de forma
autônoma e livre, não sob o constrangimento da dívida externa, por
exemplo. Relações economicamente solidárias e justiça social são dois
requisitos indispensáveis para uma verdadeira independência.
Nada melhor que o dia 7 de setembro para refletir sobre a soberania
nacional. É esse o eixo central das mobilizações em torno do Grito. A
proposta é trazer o povo das arquibancadas para a rua. Ao invés de um
patriotismo passivo, que se limita a assistir o desfile de armas,
soldados e escolares, o Grito propõe um patriotismo ativo, disposto a
pôr a nu os problemas do país e debater seriamente seu destino. É um
momento oportuno para o exercício da verdadeira cidadania.
Quais as principais lições do Grito dos Excluídos?
Chamamos a atenção para sua abertura a todos aqueles que se propõem
defender a causa das populações deixadas à margem da história e da vida.
O Grito não tem dono: embora nascido no contexto da Igreja, é uma
iniciativa levada adiante por várias forças da sociedade civil
organizada. A organização e os debates privilegiam o diálogo plural,
ecumênico e democrático. O Grito abriu caminho para uma série de
parcerias em que diferentes atores sociais trabalham em conjunto, o que
ajuda a superar o isolamento, o corporativismo e a fragmentação de
esforços.
A seguir, convém ressaltar a criatividade que o Grito possibilita.
Apesar de contar com uma coordenação nacional e com determinados eixos
centrais para a temática de cada ano, a organização permanece aberta à
iniciativa própria das diversas regiões e localidades. Deste modo, o
tema geral se enriquece com a contribuição de temas específicos, o que
torna as manifestações mais ricas e coloridas. Foi assim que, em 1999, o
Grito ultrapassou as fronteiras do Brasil e é realizado em vários
países das Américas, surgindo el Grito Continental Por Trabajo, Justicia
y Vida.
Vale sublinhar, ainda, a metodologia e a linguagem adotada pelos
organizadores do Grito, que chamamos Articuladores que são elo entre a
Secretaria Nacional e os Estados, o papel é fundamental para construção
do grito por todos os cantos do Brasil. Privilegia-se não tanto a
comunicação verbal, abstrata ou conceitual, mas o gesto, a coreografia, a
ação, a simbologia. Os manifestantes gritam não apenas com a voz, mas,
sobretudo com as mãos e o corpo. Quanto à metodologia, ganha especial
destaque a participação popular. Aqui há limites que o Grito ainda
precisa superar: como passar de um grito para os excluídos a um grito
dos excluídos? Em outras palavras, como fazer com que os próprios
excluídos organize as atividades e tomem as decisões? Esse tem sido o
grande desafio de seus dez anos.
Por fim, nos anos de 2000 e 2002, o Grito foi realizado em conjunto
com dois plebiscitos populares, o primeiro sobre a dívida externa e o
segundo sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Foram
iniciativas das mais bem sucedidas em termos de participação popular.
Envolveram mais de 120 mil agentes, militantes e lideranças, ocorreram
em todos os estados e em mais de 3 mil municípios e levaram às urnas,
respectivamente, acima de 6 e de 10 milhões de votantes. Em 2007, no dia
07 de semtembro, irá ser realizado em conjunto com o Plebiscito pela
Anulação do Leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a Vale
foi privatizada em maio de 1997, ou seja, vendida por R$ 3,3 bilhões, o
lucro de 2005 foi de R$ 12,5 bilhões de reais. Tais consultas populares
contribuem para o exercício concreto da democracia.
Quais os horizontes do Grito?
Sabemos que no Brasil, como de resto em todo continente
latino-americano, não raro o conceito de liberdade foi reduzido à idéia
de libertação: libertação da opressão, da ditadura militar, da pobreza e
assim por diante. Nos meios eclesiais, por exemplo, com freqüência
faz-se alusão à experiência narrada pelo Livro do Êxodo, quando os
escravos se libertaram das garras do Faraó. Ora, esse é apenas um lado
da moeda, isto é, a liberdade de. O outro lado é a liberdade para.
Depois da saída do Egito, é preciso unir forças para continuar
caminhando até a Terra Prometida. E aqui o conceito de liberdade se
torna bem mais exigente. Se é relativamente fácil saber o que não
queremos, costuma ser bem mais difícil saber e explicitar o que
queremos.
Os movimentos sociais nasceram, em geral, numa oposição direta aos
regimes de exceção que, em maior ou menor grau, dominaram por décadas
diversos países da América Latina. O combate frontal à ditadura imprimiu
nas lutas de oposição, de forma acentuada, a marca da crítica e do não.
A urgência em superar o domínio militar deixou pouco espaço para
aprofundar os contornos de uma via democrática viável, sólida e
duradoura.
Nesta perspectiva o Grito dos Excluídos tem como finalidade não
apenas a crítica do modelo neoliberal, mas também a preocupação
propositiva de buscar alternativas. Daí seu duplo caráter, de protesto e
afirmação, de denúncia e anúncio. Em síntese, seu horizonte último é
abrir canais para a construção do Brasil que queremos, e no contexto
atual, dizer o que Não Vale e o que Vale para a construção e
participação no destino da nação.
Lemas do Grito dos/as Excluídos/as
Assim mantemos a divisão feito pelo Pe. Alfredinho em três fases de
acordo com a temática abordada: a primeira vai de 1995 a 1997; a
segunda, de 1998 a 2001; a terceira, de 2002 e 2007; a quarta, 2008 a
2011.
A primeira fase inclui os seguintes lemas:
A vida em primeiro lugar (1995);
Trabalho e terra para viver (1996);
Queremos justiça e dignidade
(1997). As três frases agrupam-se em torno de um pano de fundo mais ou
menos determinado, que é a defesa da vida e dos direitos humanos. O
direito ao trabalho e à terra apontam para uma vida com justiça e
dignidade. Em poucas palavras, o Grito nasce numa perspectiva de lutar
pela conquista das condições mínimas de sobrevivência. Evidencia-se
deste modo a preocupação inicial com os direitos humanos básicos, sem os
quais não é possível garantir a vida e preservar a dignidade da pessoa.
O segundo grupo de lemas, correspondente à segunda fase, inclui:
Aqui é meu país (1998);
Brasil: um filho teu não foge à luta (1999);
Progresso e vida, pátria sem dívidas (2000);
Por amor a essa pátria Brasil
(2001). Transparece nestes quatro anos uma temática que, nesse mesmo
período, tornou-se cara aos movimentos sociais e entidades da sociedade
civil organizada: o debate em torno de um Projeto Popular para o Brasil.
Daí a insistência das palavras país, pátria e Brasil. Estava em jogo a
busca de uma cidadania consciente e ativa, que superasse o patriotismo
passivo do 7 de setembro. Era preciso ampliar o debate, estendê-lo aos
mais diferentes setores da população, abrir canais de participação.
Não podemos esquecer, também, que foi durante esta fase, em 1999, que
o Grito ultrapassou as fronteiras do país. Surge El Grito Continental
de los Excluídos/as, Por trabajo, justicia y vida, abertura que nos
introduz na terceira fase. O terceiro e último agrupamento inclui apenas
dois lemas:
Soberania não se negocia (2002);
Tirem as mãos… o Brasil é nosso chão (2003);
Brasil: mudança pra valer o povo faz acontecer (2004);
Brasil Em Nossas Mãos a Mudança (2005);
Brasil: na força da indignação sementes de transformação (2006);
Isto não VALE! Queremos participação no destino da nação
(2007). O conceito de soberania pressupõe relações internacionais, em
que cada país procura manter sua postura de país livre e autônomo.
Quanto à expressão “tirem as mãos”, por tão óbvia e explícita, dispensa
maiores comentários. Se a primeira fase chamava a atenção para os
direitos fundamentais à vida e a segunda alertava que a vida dos
cidadãos requer um projeto de nação, a terceira procura olhar o Brasil
no contexto internacional da economia globalizada. De fato, os dois
temas apelam para a necessidade de uma nação independente. A noção de
soberania e a frase tirem as mãos, combinadas, apontam para a autonomia
do povo brasileiro frente às novas relações mundiais e à cobiça dos
países centrais. A escolha dessas temáticas explica-se, além disso, pela
ofensiva imperialista norte-americana, especialmente sob o governo
Bush. Em poucas palavras, é preciso defender as riquezas naturais do
Brasil e a vida dos brasileiros e brasileiras dos ataques de um
neoliberalismo cada vez mais exacerbado.
A mídia
Uma das formas de olhar para o Grito a partir da mídia escrita é
consultar os dossiês organizados pela secretaria. Torna-se igualmente
importante acompanhar as imagens e reportagens do 7 de setembro pela
televisão e pelo rádio. Também neste caso não será difícil constatar uma
certa evolução na avaliação que os diferentes veículos midiáticos fazem
do Grito.
Para começar, nos primeiros anos do Grito, verifica-se uma certa
surpresa e perplexidade diante desses “intrusos” que resolvem sair às
ruas justamente no Dia da Pátria. Quem são esses que ousam perturbar o
colorido da festa cívica? De onde saíram esses “blocos” tão estranhos? O
que representam e o que fazem aqui? Será que este é o lugar para essa
gente?! Na medida que o Grito, em muitos lugares, disputava ou se
contrapunha ao espaço dos desfiles oficiais, a surpresa e perplexidade
vinha acompanhada de duras críticas.
Entretanto, embora alerta para esses “estranhos” que teimavam em
ocupar as ruas, a mídia de certa forma conformava-se. Tratava-se,
afinal, de um evento episódico, sem maiores conseqüências. Sem dúvida
tirava o brilho dos festejos oficiais, mas semelhante atrevimento não
podia ter vida longa. Os jornais não podiam tapar o sol com a peneira,
não podiam ignorar por mais tempo as manifestações do Grito. Mas também
não acreditavam que tamanha ousadia pudesse repetir-se todos os anos. O
Grito era visto como um movimento momentâneo que logo se extinguiria.
O fato é que a cada 7 de setembro lá estavam os “intrusos” outra vez!
Com isso, à medida que o Grito cresce em número de manifestações e de
manifestantes e à medida que se expande por todo o território nacional,
os temores também aumentam. “O Grito roubou a cena” passa, então, a ser a
manchete explícita ou implícita de não poucos veículos de comunicação.
De fato, de ano para ano o crescimento do Grito nas ruas traduz-se por
igual crescimento no espaço da mídia. As mobilizações populares passam a
disputar jornais e revistas com os desfiles oficiais. Não é raro ver
impressas, no dia 8 de setembro, as fotos das autoridades nos palanques
das festas oficiais, lado a lado com as fotos das bandeiras e
manifestações do Grito. Também nos noticiários televisivos,
progressivamente, as imagens do Grito vão tomando o lugar das imagens de
tanques, carros blindados, desfiles de soldados e escolares e dos
políticos. Em muitos lugares o povo que assiste às comemorações oficiais
acostuma-se a esperar pelo “bloco” dos excluídos.
É então que a grande mídia passa a um ataque mais sistemático a
tamanha ousadia. Onde se viu perturbar assim a festa oficial? Não que
desde 1995 não se verificasse hostilidade aos organizadores do Grito. Na
verdade, sempre as houve, mas era uma hostilidade um tanto quanto
dissimulada. Agora, ao contrário, nota-se uma crítica mais contundente e
orquestrada. Na medida em que se constata que o Grito veio para ficar,
cresce a perseguição da imprensa, da mesma forma que cresce a prevenção
dos órgãos de repressão. Não poucas vezes tem havido confronto com a
polícia e até prisão daqueles que coordenam as diversas atividades.
Marcas do Grito
O Grito trouxe inovações à mobilização social. A Criatividade, a Metodologia e o Protagonismo dos Excluídos são marcas do Grito.
Metodologia
O Grito privilegia a participação ampla, aberta e plural. Os mais
diferentes atores e sujeitos sociais se unem numa causa comum, sem
deixar de lado sua especificidade.
Criatividade/ Ousadia
O Grito tem, a cada ano, um lema nacional, que pode ser trabalhado
regionalmente, a partir da conjuntura e da cultura local. As
manifestações são múltiplas e variadas, de acordo com a criatividade dos
envolvidos: caminhadas, desfiles, celebrações especiais, romarias, atos
públicos, procissão, pré-Gritos, cursos, seminários, palestras…
Protagonismo dos Excluídos
É fundamental que os próprios excluídos assumam a direção do Grito em
todas as fases – preparação, realização e continuidade, o que ainda é
um horizonte a ser alcançado.
Fonte: http://www.gritodosexcluidos.org/historia/