Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
O que dizer deste trágico e inesquecível dia 7 de abril carioca? O que dizer frente ao massacre de 12 crianças e adolescentes em plena sala de aula? O que dizer, na noite seguinte, diante dos muros revestidos de flores e velas da Escola Municipal de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro? O que dizer de uma violência tão nua e crua, tão fria e meticulosamente calculada?
As palavras emudecem. Emudece a escola Tasso de Oliveira, com suas paredes banhados de sangue inocente. Igualmente mudos ficam a Cidade Maravilhosa, o Brasil e o Mundo. Mudos e atordoados, estupefatos, quedamos todos nós! Palavras como perplexidade, terror, barbárie ficam aquém dos fatos brutais... Infinitamente aquém! Parece que só o silêncio respeitoso e reverente é capaz de dizer algo. No sangrento espetáculo de vidas tão precocemente ceifadas, as palavras parecem sobrar ou faltar. Serão sempre de mais ou de menos.
Entretanto, não basta o silêncio! Ainda que as palavras sejam de menos, é preciso arriscar algumas, sob pena de cumplicidade ou omissão. Mas, de forma insistente, volta a pergunta: o que dizer?
O que dizer no enterro doloroso dessas meninas e meninos, separados tão cedo e tão cruelmente de seus sonhos e projetos, de suas famílias e amigos? O que dizer sobre seus pequenos caixões que velam e revelam botões murchos antes de se abrirem? Orações? Flores? Lágrimas? Aplausos? Condolências? Que dizem tais gestos, olhares ou comportamentos? As perguntas são todas maiores que as respostas! Uma vez mais, impõe-se o silêncio como única forma de transmitir algo!
O que dizer às famílias enlutadas, obrigadas a sepultar seus entes queridos no vigor de sua primavera? Expressões de conforto? Abraços de carinho? Mensagens de confiança? Presença de holofotes, câmeras e microfones? Notícias sensacionalistas? Espaço para desabafos na mídia? Mas a dor é mais forte e mais funda, muito mais forte e mais funda que tudo isso. E ainda neste caso o silêncio se sobrepõe às palavras indiscretas e ao pranto sufocado, engolido.
O que dizer às crianças que sobreviveram? O que pode apagar nelas a imagem do horror vivido dentro e fora da escola? Como substituir o enorme vazio de suas colegas ausentes, ausentes para sempre? Como lhes garantir a volta às aulas com a serenidade de que necessita o processo de aprendizagem? Mesmo que lhes fechemos os olhos e os ouvidos, as balas, gritos e espirros de sangue ressoam em suas almas para sempre feridas! Há chagas que precisam de anos para cicatrizar. Invoquemos o silêncio e calemos as palavras!
O que dizer sobre o ex-aluno da escola, Wellington Menezes de Oliveira? Nome inglês mesclado com sobrenome bem brasileiro. O que dizer desse jovem de apenas 23 anos, órfão e só, perdido e abandonado? O que dizer de sua existência solitária e subterrânea, fora do alcance de toda a análise? Poderia ser o irmão mais velho das crianças que alvejou de maneira tão friamente pensada. O que dizer de alguém que mata, fere e em seguida se mata? Aqui poderíamos enfileirar uma série de por quês: de ordem social, econômica, política, cultural, psicológica, psicopatológica... Também poderíamos recorrer à sua carta-testamento ou ao testemunho dos policiais. Mas tanto seus tiros letais quanto suas palavras escritas continuam um enigma para quem segue vivendo sobre a face da terra. O que sobra desses poucos minutos de horror? Um silêncio tão cerrado quanto a boca dos mortos!
O que dizer, enfim, de uma sociedade que engendra ações desse gênero? Cenas que estávamos acostumados a presenciar pela telinha, vindas do outro lado do mundo ou mar: dos Estados Unidos, da Alemanha, ou da Inglaterra... Tampouco nos é estranha a morte e as chacinas de jovens e adolescentes. Ocorrem com infeliz frequência, não raro perpetradas por grupos paramilitares. São milhares de assassinatos por ano, uma verdadeira guerra civil. Desgraçadamente, nem o Rio nem numerosas outras cidades brasileiras está livre do extermínio premeditado de jovens.
Desta vez, porém, a violência parece ter atingido um grau mais elevado. Ou descer aos porões sombrios infectos, inusitados e selvagens em que se escondem inúmeras crianças, adolescentes e jovens. Quantas vezes já estivemos reféns desses seres, agindo em grupo ou solitariamente! E quantos deles nunca conheceram um olhar mãe, um beijo molhado, um carinho de afeto, uma palavra de ternura, um leito suave, uma roupa nova ou uma comida quente!
A brutalidade é grande demais para caber, inteira, na alma de um jovem. Wellington carrega muito mais anos de sofrimento do que sua tenra idade pode suportar. Sofrimento que se transfigura em agressão e, como um dique que se rompe, devasta tudo o que vê pela frente. Violência exacerbada à máxima potência, que atinge simultaneamente as vítimas, seus familiares, a sociedade e o próprio assassino. É aqui que a palavra emudece! Como emudeceu diante do holocausto da Segunda Guerra Mundial, por exemplo. As letras e palavras se tornam estreitas, acanhadas, impotentes. Incapazes de conter os sentimentos que varrem o coração de cada um de nós.
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